DONA MORTE



Ilustração: Mariana Santana


A gente pensa que criança é boba, muitas vezes negligenciamos, subestimamos a palavra certa, a capacidade de inteligência dos nossos filhos. Eu, recentemente, caí nessa esparrela. A mãe de uma amiga querida faleceu e entre uma ligação e outra sobre o horário do velório, enterro, etc e tal, nem me dei conta de que meus “anjinhos” eram o pano de fundo da cena naquele sábado de despedida.
- Mamãe, o que é um enterro?
- Oi?, me espantei com a pergunta de minha filha.
- Eu ouvi, você disse que vai ao cemitério, porque lá vai ter um enterro!
Neste momento o caçula, 04, vibrou literalmente:
- Uau! Você vai no lugar dos mortos? Deixa a gente ir com você, deixa? E quem morreu? Por que morreu?
Uma pergunta atrás da outra, avalanche de questionamentos e, para variar, fiquei parada sem conseguir responder aos dois. Selvagem! E o que dizer? Não sabia como falar a respeito da única certeza que temos na vida e que, ao mesmo tempo, é também um dos maiores tabus da humanidade. Envolve crenças e crendices muito fortes. Há famílias, por exemplo, que sequer pronunciam a palavra Morte. Minha avó paterna, que o Senhor a tenha em bom lugar, era esse tipo de pessoa. Quando se via encurralada socialmente, logo substituía câncer por “aquela doença” e morte por “quando Deus quiser me levar”.
Não disse nada na hora, me mostrei apressada, tentei ganhar tempo porque acredito piamente que quando não temos nada produtivo para falar, a melhor opção é ficar calado. Saí para prestar meu carinho, certa de que na volta, já teriam se distraído, esquecido o assunto. Ledo engano! Que inocência a minha.
- Mamãe, precisamos te falar uma coisa, me disse a pequena 03 no momento em que entrei em casa. Não se preocupe porque nós já conseguimos ver no tablet do papai. Achamos no Google o que acontece no cemitério, como vivem os mortos que viram fantasmas. Tem uns cemitérios que são feios, sujos, mas tem outros que são jardins com flores e borboletas bem bonitos. A gente quer ficar no jardim, tá? Só que agora temos uma duvida, porque não era para as pessoas irem para o céu?
Que confusão! Ave, cheia de graça .... onde é a saída de emergência? A coisa toda piorou e nem faço ideia de por onde devo começar. “Queridos, o espirito vai para o céu e o corpo para o cemitério?!” ou “Se formos bonzinhos, viramos anjinhos e se feios, maldosos, nossa alma vai para o inferno?” Não tive coragem. Pela grosseria toda desse tipo de explicação. Selvagem de novo! São nestes momentos que descobrimos como somos ignorantes. Mal educados mesmo neste sentido. Só assim me dei conta da profundidade da situação. E das consequências, já que desde então ganhei sócios de peso na minha cama durante as noites. Pobrezinhos! De nós, os pais, naturalmente.
Enfrentar a demanda é sempre a opção mais acertada, uma vez que o nosso papel é criar os filhos para o mundo. Eu acho. Fui em busca de respostas. A prole ensina. Ô! É de emocionar! Depois de muito ler, decidi pela simplicidade, pelo que é mais palpável e atingível: A ciência. Apelei para o ciclo da vida, tratei do tema com a ajuda dos livros de biologia dos mais velhos. Não sei se psicólogos e especialistas vão torcer o nariz para minha escolha, mas como sou do tempo das pessoas que curtiam uma “fossa”, tudo bem. Percebi que a única coisa que não tinha o direito de fazer de jeito nenhum era me omitir, deixá-los no vácuo e empurrar a tal da Dona Morte para debaixo do tapete.

Até a próxima!

Paula Santtana