SELVAGEM, SELVAGEM, SELVAGEM!



Raphael Santana


- Mãe, meu irmão hoje chamou o motorista da van de veado!
- Oi? Como assim? Por quê?
Antes que minha filha pudesse terminar ou me responder, o caçula logo se defendeu:
- Mamãe, ele mexeu no meu bilau, ué! Isso não é coisa de veado? Você não disse que não é para ninguém mexer no meu piu piu? Só você que pode? Então!
Confesso que por um lado fiquei aliviada. Meu menino, tão pequeno, já é capaz de se defender. Mesmo com tamanha falta de educação e em tom pejorativo. Mas, é como diz uma amiga experiente: “A gente fala tanto, querida, que alguma coisa fica. Nem que seja para o uso externo, como dizia meu pai. Podem ser ogros indefesos dentro de casa, mas se forem príncipes valentes para os outros de fora, já estaremos com meio caminho andado.”
Por outro lado, nem minha avó usa mais o termo “veado”. E quem foi que disse que gays e pedófilos são a mesma coisa? E quem foi que disse que o tal motorista é pedófilo? Ou homossexual? E em que contexto as coisas ocorreram? E isso faz toda a diferença. E de onde vieram estes rótulos? Minha família não é homofóbica. De verdade! E em que burro eu fui me amarrar? Nossa! E ainda tem gente que acha que ser mãe é passar o dia em casa, sem fazer nada, falando no telefone. É muito selvagem! Poxa, uma coisa é ver a Patrícia Poeta linda, toda chique na TV ao lado do Bonner, noticiando casos de abuso sexual infantil. Outra bem diferente é chegar do trabalho à noite e se deparar com algo do gênero. É quase que virar a Patrícia na bancada do JN! Com as devidas proporções estéticas, claro. Nem por um instante me ocorreu a hipótese da comparação, obviamente. Mas, voltando, passa muita coisa pela cabeça nessa hora. Questões profundas! Estruturais mesmo. Trabalhar fora? Deixar as crianças à mercê? Quanto vale isso? Tem preço? Será que não é mais prudente criar os filhos sem delegar funções? Pessoalmente? Na simplicidade do amor? Eu sei que tem a turma da qualidade, o grupo que defende a vida própria dos pais, os que pontuam o aspecto daqueles que estão presentes fisicamente, mas dispensam atenção zero aos filhos. Tudo bem, eu até concordo. Concordava. Nem sei mais com o que concordo. Estou tipo "barata tonta". Confusa diante de mim. A gente custa a realizar! Sem falar no medo que rola. Denunciar? Expor os filhos? Sofrer represálias? Selvagem, Selvagem, Selvagem! Ainda bem que existe a Anne-Marie Slaughter, ex-assessora da Hillary Clinton, para me fazer companhia nos dilemas do mundo moderno. Conforta saber que não estamos sós no sofrimento.
Sempre que uma coisa assim, mais séria acontece, penso nas mães que vivenciam ou vivenciaram grandes traumas. Que perderam seus filhos. Da culpa que devem sentir. Eu sentiria. Me senti culpada. Meu filho passou por um suposto constrangimento, enquanto eu .... delegava a minha obrigação à terceiros. Está certo que faço o que posso, tem a conversa toda de ser boa mãe, ninguém é perfeito, da intenção ... mas o fato, a realidade crua e nua, é que "se os pais naquela situação estivessem presentes, nada disso teria acontecido." Simples assim! A empregada não teria batido, a gripe não teria evoluído para uma pneumonia, o dever de casa teria sido melhor acompanhado, reuniões escolares presenciadas, não haveriam motoristas para “brincar” ou “bolinar” crianças indefesas, etc e tal. Pensamento de gente controladora? Talvez. A solução? Não sei. Mas, minha avó, se fosse viva, diria que tudo passa pela falta de "Deus". Na minha vida e na do tal motorista principalmente. E é numa hora dessas que você descobre se tem ou não Fé. Se "Deus" está ou não com você. Conclusão: Tive que abrir mão da minha covardia e compartilhar o ocorrido com as demais famílias usuárias do mesmo transporte. E com a escola também, é claro. Independente das minhas dúvidas, medos e dramas particulares, era o mínimo que eu podia fazer: Denunciar. Afinal, independente de certezas e razões, na melhor das hipóteses, o tal condutor é alguém inábil, que não possui as habilidades necessárias e recomendadas para trabalhar com o universo infantil. 

Até a próxima!

Paula Santtana

THE BOOK IS ON THE TABLE


Mariana Santana



- Boa tarde! Sou a professora do curso do seu filho, como vai?
Nossa! Um frio correu a minha espinha. Quem é mãe, sabe que ninguém telefona do cursinho de inglês dos filhos, a não ser que amáveis “anjinhos” estejam tentando ofuscar o brilho da atriz principal: A teacher.
- Sim, tudo bem, obrigada. Em que posso ajudar?
Dito e feito. Por que não acerto na loteria?
- Acho que o seu menino não está interessado em aprender. Pior, não quer que os colegas aprendam. Dispersa a turma o tempo inteiro e blablablablablablabla.
Às vezes, na vida, a gente tem vontade de dar umas respostas do tipo: “O que posso fazer se o garoto tem carisma?” ou ainda: “Jovens merecem professores interessantes. Que prendam a atenção, estimulem o raciocínio, consigam despertar a vontade de estudar na adolescência. Lembra de nós? Por que você não experimenta passar um episódio de C.S.I. em sala? Revange, Law and Order ....
Só um desabafo, gente! Claro que não abri minha boca, ouvi o pito inteiro caladinha. Lógico! Mas, ninguém gosta de ouvir falar mal da cria, vai?!?! Sobe uma raivinha pela garganta! É o mesmo que falar mal da gente. Jogar na cara que fracassamos. Que o trabalho está mal conduzido. Por isso meu primeiro impulso do gênero reativo, tipo assim: Poxa, em vez de falar mal do meu filho, olha para o seu umbigo!!! Já que vai preparar o “The book is on the table”, por que não prepara o The best “the book is on the table” in the world? E neste caso, no lugar de "do meu filho", substitua por "mim". Fez sentido agora o meu sentimento? Bom, mas uma coisa não justifica a outra. Eu sei! Tenho aprendido, na verdade. E em tempo real.  Nada de reações e sim, ações. Pena que não podemos ensaiar, né? Treinar antes do “Gravando”. Bem, mas já que não tem jeito ..... vamos ao ponto: Proatividade diante dos obstáculos e sendo assim ..... perdeu, filho! O castigo vai ser inevitável. O papel de mãe é educar, criar para o mundo, pipipi, pópópó, pão quente, embora muitas vezes dê uma baita preguiça, convenhamos. É muito cansativo falar mil vezes a mesma coisa, ser a bruxa da brincadeira dia sim e outro também, encarnar a alma jesuíta que não temos, enfim, só Jesus na causa. Mas agora é tarde para vitimizações. Não coloquei filho no mundo? Alguém disse que seria fácil? Não! Então ...
- Querido, sinto muito, mas estão suspensas festinhas, saídas, pistas de skate e tal. Não admito, nem por hipótese, receber reclamações de conduta. Educação adequada é básico e fazer bagunça em sala de aula é muita falta de educação. Pior, desrespeitar professor é de quinta categoria. Independente de razões e emoções, é indiscutível a consideração e a deferência que devemos ter diante dos Mestres. 
Os argumentos proferidos em causa própria foram os mais variados. De uma criatividade admirável, inclusive. Todos furados, também, embora identifique inteligência nas tentativas. Selvagem! Jovens insistem em testar a nossa paciência. O Q.I. dos pais. E com um afinco!!! Antes tivessem a mesma disposição para os estudos, a leitura, os bons modos ... O lado bom e, existe um lado bom em tudo, é que segundo especialistas, meu filho está dando trabalho na hora certa. Tudo correndo dentro do esperado. De preocupar são os que pulam etapas. Crianças e adolescentes muito comportados, precoces, maduros, gente que tenta ser perfeita para atender expectativas soviéticas. Estes sim, são fortes candidatos ao desajuste no futuro, síndromes e outros bichos variados. O relevante nisso tudo é impor limites. Deixar claro para o filho que "há regras em Moscou" e ele vai ter que respeitar. Que papai e mamãe estão alinhados com os professores da escola, do cursinho e do futebol, natação ou judô. Todos juntos, em equipe, no time da Educação.

Até a próxima!

Paula Santana

DANUSA E EU


Google Imagens


Uma amiga contou que resolveu se separar. A relação não ia bem, coisa e tal e a melhor solução, então, foi a separação. Independente de razões, emoções ou opiniões, sempre é uma vivência delicada e o ponto x da questão girava em torno de como dizer ao único filho que papai e mamãe não iriam mais morar juntos.
Particularmente, não acredito que vale qualquer esforço para manter um casamento. Não! Se já houve toda e qualquer forma de tentativa, ok, que cada um possa encontrar seu caminho. Mesmo que um dia o melhor caminho seja voltar para o caminho antigo. Por outro lado também, percebo que existe uma impaciência generalizada. Uma busca incessante pela perfeição, por uma felicidade ideal e, claro, relacionamentos imperfeitos são sempre melhores na lata do lixo. Até porque, hoje em dia, é bem mais fácil descasar do que se encarar. Vivemos a era do “A culpa é sempre do outro.” Do filho dos outros, do marido, da empregada, do colega de trabalho, da professora, da escola, etc, etc, etc.
Ganhei o livro de crônicas da Danuza Leão e é sensacional saber que não sou a única no mundo que sente saudades dos relacionamentos de verdade. De um tempo onde existiam histórias que quase sempre eram embaladas por Chico, Caetano, Betânia, Gonzaguinha e o Rei. Acredito que a Danuza, assim como eu, daria um Reino pela volta do pijama até o meio-dia no sábado. Pelo lar como evento social. Da convivência familiar. Ninguém mais fica em casa, já repararam? É diagnóstico de depressão. Pior, de impopularidade. E quem não é popular .... consequentemente ... não usa anel com pingente. Independente da classe. É assim do Saara ao Leblon. Tem que ter programação e anel de pingente. Acho que a Danusa endossaria isso. 
Minha amiga resolveu buscar ajuda profissional. Segundo a especialista que consultou, o importante é frisar bem que quem briga não necessariamente se separa. Se assim fosse, bom, fica meio óbvio. Disse que a criança precisa sentir que é amada, independente do credo, da raça ou da cor. É imprescindível também que ela perceba os novos limites de maneira bem clara e definida. Ah! Os limites ..... que falta andam fazendo. Danusa deve sonhar com eles também, imagino. Mas voltando, o filho tem que entender que agora é a casa da mamãe, a casa do papai, o finde da mamãe, o finde do papai e por aí vai. E nada de fingimentos e disfarces. Criança costuma ler a mente dos pais e sendo assim ...... tudo bem se alguém estiver sofrendo. É ótimo para os filhos perceberem que pai e mãe são feitos de carne e osso.      
Legal! Gostei da simplicidade. Estou exausta do só é feio quem quer, infeliz quem quer, sem diploma quem quergordo quem quer, de todo esse faz de conta coletivo. Mulheres Maravilhas e Super Homens fantásticos perfeitos em tudo. Aff! Pobres compositores. Devem estar com dificuldades para trabalhar. Qualquer frase de quinta vira hit de sucesso!?!? E o troço gruda na mente de um jeito .... Deus me livre! Mas, de lado com meus desabafos pessoais, aos conselhos da doutora psicóloga, eu acrescentaria apenas uma coisa: Um bom bolo de tabuleiro, cortado em losango, com calda de limão e açúcar, saído do forno e servido bem quentinho. Hum! Remove montanhas. Posso sentir o cheiro do milagre. Sim, carinho tem aroma. Ah! tem. E arrisco apostar que não engorda uma grama sequer. Mais, ninguém saudável, diante de um momento desses, pode pensar em quilos. Coisas simples assim são  mágicas de Deus: Fazem nossos corações sorrirem num piscar de olhos. 
Desconfio que Danusa concordaria comigo.

Até a próxima!


Paula Santtana

DONA MORTE



Ilustração: Mariana Santana


A gente pensa que criança é boba, muitas vezes negligenciamos, subestimamos a palavra certa, a capacidade de inteligência dos nossos filhos. Eu, recentemente, caí nessa esparrela. A mãe de uma amiga querida faleceu e entre uma ligação e outra sobre o horário do velório, enterro, etc e tal, nem me dei conta de que meus “anjinhos” eram o pano de fundo da cena naquele sábado de despedida.
- Mamãe, o que é um enterro?
- Oi?, me espantei com a pergunta de minha filha.
- Eu ouvi, você disse que vai ao cemitério, porque lá vai ter um enterro!
Neste momento o caçula, 04, vibrou literalmente:
- Uau! Você vai no lugar dos mortos? Deixa a gente ir com você, deixa? E quem morreu? Por que morreu?
Uma pergunta atrás da outra, avalanche de questionamentos e, para variar, fiquei parada sem conseguir responder aos dois. Selvagem! E o que dizer? Não sabia como falar a respeito da única certeza que temos na vida e que, ao mesmo tempo, é também um dos maiores tabus da humanidade. Envolve crenças e crendices muito fortes. Há famílias, por exemplo, que sequer pronunciam a palavra Morte. Minha avó paterna, que o Senhor a tenha em bom lugar, era esse tipo de pessoa. Quando se via encurralada socialmente, logo substituía câncer por “aquela doença” e morte por “quando Deus quiser me levar”.
Não disse nada na hora, me mostrei apressada, tentei ganhar tempo porque acredito piamente que quando não temos nada produtivo para falar, a melhor opção é ficar calado. Saí para prestar meu carinho, certa de que na volta, já teriam se distraído, esquecido o assunto. Ledo engano! Que inocência a minha.
- Mamãe, precisamos te falar uma coisa, me disse a pequena 03 no momento em que entrei em casa. Não se preocupe porque nós já conseguimos ver no tablet do papai. Achamos no Google o que acontece no cemitério, como vivem os mortos que viram fantasmas. Tem uns cemitérios que são feios, sujos, mas tem outros que são jardins com flores e borboletas bem bonitos. A gente quer ficar no jardim, tá? Só que agora temos uma duvida, porque não era para as pessoas irem para o céu?
Que confusão! Ave, cheia de graça .... onde é a saída de emergência? A coisa toda piorou e nem faço ideia de por onde devo começar. “Queridos, o espirito vai para o céu e o corpo para o cemitério?!” ou “Se formos bonzinhos, viramos anjinhos e se feios, maldosos, nossa alma vai para o inferno?” Não tive coragem. Pela grosseria toda desse tipo de explicação. Selvagem de novo! São nestes momentos que descobrimos como somos ignorantes. Mal educados mesmo neste sentido. Só assim me dei conta da profundidade da situação. E das consequências, já que desde então ganhei sócios de peso na minha cama durante as noites. Pobrezinhos! De nós, os pais, naturalmente.
Enfrentar a demanda é sempre a opção mais acertada, uma vez que o nosso papel é criar os filhos para o mundo. Eu acho. Fui em busca de respostas. A prole ensina. Ô! É de emocionar! Depois de muito ler, decidi pela simplicidade, pelo que é mais palpável e atingível: A ciência. Apelei para o ciclo da vida, tratei do tema com a ajuda dos livros de biologia dos mais velhos. Não sei se psicólogos e especialistas vão torcer o nariz para minha escolha, mas como sou do tempo das pessoas que curtiam uma “fossa”, tudo bem. Percebi que a única coisa que não tinha o direito de fazer de jeito nenhum era me omitir, deixá-los no vácuo e empurrar a tal da Dona Morte para debaixo do tapete.

Até a próxima!

Paula Santtana