- Mamãe,
me chamaram de gorda hoje.
- Na
escola, filha?
- Não.
- Na
van?
- Não.
-
Então onde foi isso, querida, fala?
- Aqui
em casa mesmo. Todos os meus irmãos disseram isso. Que como muito, tenho
barrigão, que sou muito gorda.
Uau!
Tá rolando bullying debaixo do meu nariz? Nas minhas barbas e eu nem
vi? Meus Deus! Coitadinha! Aos sete anos e já descobrindo como é difícil
ser mulher nessa vida. Gente fora dos "padrões". Diferente. Ser
gordo, então, algo considerado intolerável. Nem existe na grade das pessoas.
Tirando uma loja ou outra especializada, o resto não cogita a ideia do 48, 50,
52, etc. Selvagem! Conheço uma mãe que, durante a segunda gravidez, adquiriu
diabetes gestacional. Nunca conseguiu se livrar dos quilos a mais que conquistou
e assim, entrou para o rol dos sem-vergonha. Sim, sim, gordo costuma ser
tachado assim. Faz parte do inconsciente coletivo. Me confidenciou que a
maioria das pessoas a julgam preguiçosa, relaxada, desprovida de vaidade. Menos capaz de educar. Que
foi penoso conseguir emprego depois que engordou. O mercado relaciona gordura
a incompetência profissional. Me
disse que sofre preconceito até de vendedora de loja. Aquele olhar de
reprovação, meio de lado, canto de olho. Do tipo, aqui não é o seu lugar. O Pior é pensar que minha filha vai estar
fadada ao julgamento maldoso de boa parte das pessoas, caso não se mantenha em
dia com o manequim 36/38. Coração de mãe sofre!
A
questão Peso x Altura é muito séria. Os disturbios alimentares, cada vez mais presentes,
não me deixam mentir. Entre os jovens,
principalmente, uma paranoia grave. Drauzio Varella e suas séries que o digam. Imaturos ainda, já preocupados com a imagem
ideal. Perfeita. Ter Filhos? Estragar meu corpo? Não, não, muito obrigado. Simples
assim. Acho que Darwin arriscaria dizer que as gerações futuras vão nascer sem
o útero. Aquele lance da evolução da espécie. Talvez tenha sido isso que os Profetas
do Apocalipse previram. No final dos tempos, mulheres sem filhos, coisa e tal.
Minha menininha gosta muito de comer e eu, acho muito saudável essa característica dela.
Uma amiga querida, já falecida, me ensinou o seguinte no passado: “Garotinha, desconfie
sempre de quem não é bom filho, de quem não tem amigos, de quem costuma falar
mal de ex e de quem não gosta de comer.” Adoro! Alguém que não aprecia a boa mesa, a alegria de ter o
alimento, o pão nosso de cada dia, realmente não pode ser confiável. E minha filha é. Alegre, feliz, contente, faminta e consequentemente, de extrema
confiança.
Chamei
os quatro para conversar. Resolvi recorrer ao papo da beleza interior para acabar
com as injustiças proferidas contra a pobrezinha.
Comecei explicando a importância de artérias limpinhas, pulmões bem cuidados,
fígado ajustado, um pâncreas em bom funcionamento. A relevância de uma consciência corporal. Ainda tentaram me pegar na
curva, saber detalhes sobre o apêndice e as glândulas sudoríparas. Dizem que as crianças podem ser muito malvadas, mas os adolescentes podem ser bem perigosos também. Não esmoreci. Precisam introjetar a questão. A necessidade de adquirir uma responsabilidade social, uma saúde espiritual. Que só alcançarão a felicidade e o sucesso que tanto almejam, caso mantenham ativos em seus corações a solidariedade, a humildade, a caridade, a compaixão e o amor ao próximo. Até porque para os outros, nós é que somos os outros. Que o grande lance da vida passa longe do tamanho da cintura, da cor da pele, conta bancária ou nível social. Equilíbrio é a palavra de ordem. Na mesa, no trabalho, nas relações, nos desejos. Trabalhoso o negócio, árduo o caminho, mas sou mãe brasileira e não desisto nunca. Estou super focada, mega determinada, convicta de que um dia chego lá. Sou da espécie que defende a teoria do ... água mole em pedra dura, tanto bate até que fura.
Até a
próxima!
Paula Santtana