PAPAI NOEL EXISTE?


Alexandre Sant'Ana


Lembro até hoje do dia em que descobri que Papai Noel não existe. Como sofri. Fiquei magoada, me senti enganada, traída mesmo.  Me recordo de ficar horas pensativa a respeito: por que os adultos fazem estas coisas conosco, as crianças?
Os anos se passaram, cresci, me formei, casei, tive filhos, não na mesma ordem, mas enfim, lá estava eu, tramando contra os meus rebentos também. Na minha família sempre comemoramos o Natal  na véspera,  dia 24 de dezembro e, faça sol ou chuva, Papai Noel, à meia-noite, aparece e entrega os presentes pessoalmente. Vejam só a sandice: Papai Noel aparece, pessoalmente. Sempre há um tio que se propõe ao papel, ou melhor, é obrigado, em pleno verão, a interpretar a caráter o bom velhinho. Olhando assim, nem eu imaginava que éramos tão loucos. Já dizia alguém, não é? “De louco e alguma coisa, todos temos um pouco ”. Adoro aquela também: “De perto, ninguém é normal”.
Poxa, eu era uma menina de sete anos, cheia de sonhos e fantasias, era muito “bebê” nessa idade, demorei para amadurecer. Nem sempre a cabeça acompanha o corpo.  De repente, me deparo com um Papai Noel com a voz anasalada, o nariz marcante e o dente superior frontal levemente quebrado, características exclusivas de meu tio. Foi triste. Não por ele, claro, mas pela situação, óbvio. Ele era a outra vítima, coitado. E depois, o pior, o restante da família insistindo em manter  a farsa, me tratando como louca! As mulheres da família, aliás. Tenho que ser justa. Os homens, nessas situações, normalmente são manipulados.  Fizeram de tudo para eu continuar  iludida, acreditar que estava enganada. Valia qualquer coisa para manter o “circo”.
 “Imagina, querida, você esta vendo coisas!”  Olha isso? Vendo coisas!!
Sabem o que fiz com os meus filhos? A mesmíssima coisa. E com requintes de crueldade ainda maiores. Para simular uma barrigona, costumo adicionar um travesseiro enorme à fantasia. Papai Noel bacana tem que ser bem gordão. Né não? É incrível como nos revoltamos com nossos pais, como somos certos de que faremos diferentes, cheios de arrogância julgamos suas condutas e, um dia, sem mais e nem menos, reproduzimos o mesmo comportamento deles. Dá medo! Estão mais vivos dentro de nós do que podíamos supor. Tá explicado o sucesso de Freud. A genialidade de Renato Russo: “ ... O que você vai ser, quando você crescer...”
Meu filho 02 veio direto, “Mamãe, o Papai Noel é o tio! Olha lá, o travesseiro está caindo, a voz dele é rouquinha e ele está segurando uma cerveja, igualzinho o titio faz!!!!” Eu não conseguia parar de rir. A cena era mesmo tosca. Eu senti muita pena do Papai Noel. O pobre do marido da minha prima, um apaixonado por crianças, aceitou a missão. Fantasiado num calor daqueles de Brasília, esforçando-se muito para manter a tradição familiar, fez tudo certinho para agradar a garotada.  Mas 02, um virginiano minucioso, pescou a marca da cerveja. Um aparte: é maravilhoso ser mãe de um virginiano, mas é assustador na mesma proporção. Ô gente para enxergar o que mais ninguém é capaz! É o único dos quatro que em segundos, percebe se mudei um garfo de lugar.
Voltando. Vivenciar a mesma situação, por outro ângulo, foi fundamental para que eu pudesse efetivamente entender e até absolver meus pais. Olha a ponta de arrogância aí: quem sou eu para absolver alguém?  A intenção foi a de manter o máximo de tempo a fantasia, a magia, os sonhos acesos dentro de nós. Não eram loucas e sim, sábias, as mulheres de minha família. Tentaram de tudo para manter o colorido do mundo vivo em nossos corações. Precisei ser mãe para entender isso. Enfim, minha resposta ao 02 não poderia ser outra: “ Eu não estou vendo nada disso, meu filho. Acho que você é que esta vendo coisas.”

Até a próxima!

Paula Santana